terça-feira, 5 de janeiro de 2010

CANETA REVERSA - PARTE FINAL



Por Zé Lins
Da Redação do Blog da Máquina


Assim começa o terceiro ato. Ainda aguardando a aproximação da vítima, The Bic enche os pulmões e finge que vai puxar o contra-ataque. Com os sentidos aguçados, à semelhança de um predador prestes a dar o bote em sua caça, ele sente que a presa está próxima da armadilha e sutilmente puxa a bola para trás, rolando-a próximo ao corpo, por entre as pernas apressadas do Odilon, que vinha alucinado em sentido contrário.

Naquele exato momento, Odilon mal poderia imaginar que o caos se instalara em sua rede neural. Com efeito, parte de um grupo novato de neurônios ordenava-lhe que fechasse as pernas e parte determinava que freasse de imediato. Um grupo dissidente, mais pragmático, sugeria que um leve cutucão, por trás, bem aplicado no tendão do adversário – arte em que, dizem as más línguas, Odilon é catedrático – aliviaria um pouco o vexame e daria, ao atrevido, sinais claros para que fosse cometer tal ousadia em praias distantes. Outra turma de neurônios – ainda sob os efeitos da última palestra sobre orçamento participativo, proferida por ele para uma comunidade quilombola na Serra de Paranapiacaba, defendia a convocação de um plebiscito urgente para discutir o redirecionamento dos recursos disponíveis, na esperança de que algo ainda pudesse ser feito. Os neurônios mais experientes, por outro lado, não estavam nem aí; emitiam sinais desencontrados, pois sabiam que o desastre seria inevitável.

Nessas condições de curto circuito interno, de verdadeiro colapso do sistema de navegabilidade, que o derradeiro ato teve início. Atônito com tantas informações desencontradas enviadas por seu mecanismo interno de defesa e sem qualquer vestígio de harmonia entre cérebro e massa muscular, Odilon perde a passada, não mais se entende com o piso, rende-se à inércia, tropeça nas próprias pernas e, em fração de segundos, executa uma capotada memorável, com um duplo twist carpado com mortal na segunda pirueta, bem diante do júri que, por unanimidade, conferiu-lhe grau máximo em dificuldade e performance. O detalhe mais impressionante é que, na execução do movimento, o seu inseparável boné ia lhe escapando do domínio, porém foi prontamente resgatado em pleno vôo e devolvido ao lugar que lhe é de direito, como se naquele pequeno pedaço de tecido residisse toda sua fonte de energia.

Ciente das conseqüências imediatas para todas as vítimas de lances pouco usuais e quixotescos, sobretudo naquela área do terreno, Odilon ainda tentou dissimular, emendando nova carreira após as piruetas e fingindo que nada acontecera, o que tornou a cena mais pitoresca.

Enquanto isso, Beto Caneta esboçava um sorriso que oscilava entre o sarcasmo e a incredulidade com a cena que acabara de presenciar, cujo desenvolvimento jamais pudera imaginar. Entretanto, todos sabiam que no íntimo havia atingido o seu clímax. Deixou explícita , apenas, a promessa de que não mais repetiria aquele ato por respeito ao adversário, pelo menos no caso do respeitável Odilon.

Caneta Reversa, portanto, é um espetáculo único, irreproduzível. Sem esse aspecto teatral e efeito visual, que só ocorrem naquele quadrilátero ocupado pela MV, não passa de um simples rolinho aplicado de costas. Fim.

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